breviedades pausadas

breviedades pausadas
entre o verde o vermelho

quarta-feira, novembro 08, 2006

um contra, outro a favor

no resquício de luz que se permite.
entre os dedos entreabertos por onde escapa.
nos lábios cerrados do calado atônito.
pelos olhos aflitos do interlocutor assoberbado.

as calçadas da rua emolduradas.
nós entre molduras, fora delas ou em qualquer movimento, por um passo.
a distância que se aninha no hall de mágoas, chega à sala, despida.
tinha cheiro por lá. odor nosso, daquele amor sublocado.
pensávamos, eterno, intenso já fora demais.

um dia na rua só, faltava-me o guarda-chuva ou faltava-me você.
o desapego é isso, desconcentração do valor real do outro, enquanto bem querer.
sempre muito mimada. sempre a bater os pés e chorar copiosamente à ter atenção.
o estranho é que nunca lhe faltei. você em pedestal de pedra. fincada no meu peito.
disse árido?

abri a porta e te vi sentada, fitando a janela de persianas entreabertas.
como nossa mascote deu-me um instante de atenção e voltou.
entrei, despi-me, lavei-me, vesti-me, comi e já angustiado fiz menção de lhe tocar.
mas aonde você teria ido depois?
os lábios frios me tocaram parcelado, o olho esquerdo perdido no meu direito, molhado.
mansa me ofereceu os braços, maternais, sorriu e andou pro quarto.
descalça, porque deixou os chinelos?

eu não posso. bati na porta inúmeras vezes, mentalmente. uma, na verdade.
espero e anseio por vê-la. não vem.
a orelha fita a respiração apertada atrás da porta. chora contida, triste demais por lágrimas.
sufoco-me. a essa altura a sala já está abarrotada e você não aguenta mais.
desci as escadas, precisava de alguma adrenalina correndo em mim, anestésica.

foram horas de palavras cuspidas, ressentidas, antigas e desnecessárias.
foram horas de silêncio absoluto, de olhos inchados e mãos recusadas.
foi uma eternidade, triste, intensa, inesquecível.
foi o fim de tudo o que já tinha acabado em nós em silêncio, asfixiado.

corri até nossa antiga casa e percebi que há muito tempo perdera seu cheiro.
você estava nas cartas, nas fotos, na mascote, em silêncio.
e então eu sofri como alguém que tentou demais não se envolver em vão
e perdeu o chão, a chance de ser um pouco mais do que só um.

decidi fechar as persianas e no chão da sala deitar.
a cama era sua, as chinelas fui eu que te dei.

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