
a mordida é do tamanho da gula.
preenche o todo desejado sem receio.
e molha os lábios duma saliva espessa.
adoro vermelho intenso.
a maneira como cada um vê de si, por todo o espaço que designa o verbo que há de vir.
as calçadas da rua emolduradas.
nós entre molduras, fora delas ou em qualquer movimento, por um passo.
a distância que se aninha no hall de mágoas, chega à sala, despida.
tinha cheiro por lá. odor nosso, daquele amor sublocado.
pensávamos, eterno, intenso já fora demais.
um dia na rua só, faltava-me o guarda-chuva ou faltava-me você.
o desapego é isso, desconcentração do valor real do outro, enquanto bem querer.
sempre muito mimada. sempre a bater os pés e chorar copiosamente à ter atenção.
o estranho é que nunca lhe faltei. você em pedestal de pedra. fincada no meu peito.
disse árido?
abri a porta e te vi sentada, fitando a janela de persianas entreabertas.
como nossa mascote deu-me um instante de atenção e voltou.
entrei, despi-me, lavei-me, vesti-me, comi e já angustiado fiz menção de lhe tocar.
mas aonde você teria ido depois?
os lábios frios me tocaram parcelado, o olho esquerdo perdido no meu direito, molhado.
mansa me ofereceu os braços, maternais, sorriu e andou pro quarto.
descalça, porque deixou os chinelos?
eu não posso. bati na porta inúmeras vezes, mentalmente. uma, na verdade.
espero e anseio por vê-la. não vem.
a orelha fita a respiração apertada atrás da porta. chora contida, triste demais por lágrimas.
sufoco-me. a essa altura a sala já está abarrotada e você não aguenta mais.
desci as escadas, precisava de alguma adrenalina correndo em mim, anestésica.
foram horas de palavras cuspidas, ressentidas, antigas e desnecessárias.
foram horas de silêncio absoluto, de olhos inchados e mãos recusadas.
foi uma eternidade, triste, intensa, inesquecível.
foi o fim de tudo o que já tinha acabado em nós em silêncio, asfixiado.
corri até nossa antiga casa e percebi que há muito tempo perdera seu cheiro.
você estava nas cartas, nas fotos, na mascote, em silêncio.
e então eu sofri como alguém que tentou demais não se envolver em vão
e perdeu o chão, a chance de ser um pouco mais do que só um.
decidi fechar as persianas e no chão da sala deitar.
a cama era sua, as chinelas fui eu que te dei.
avulso.
entre nós, ar.
entre-ar.
distantes até não sentirmos calor.
calor humano, do outro.
outrem, que vem e vai, e é assim, igual.
somos assim, parecidos.
cabelos, unhas, uns sorrisos sozinhos.
e andamos num sentido que ás vezes respira,
engasga.
para algum lugar comum, nosso.
dentro de nós, velado, outra vez só.
penso, não, não penso tanto, nem em nós, comuns.
porque ao acaso somos, jogados,
em ventos que nem sempre sopram.
os olhos brilham, longos, minto, não brilham tanto.
O amor ás vezes ofusca os olhos, como cílios que caem.
a intensidade é inversamente proporcional a felicidade,
qual felicidade era mesmo?
sim, ao comum, a felicidade de todos que amam sem demasia.
os outros andam, perambulam. como nós. sem mais.
somos todos doses de relacionamentos superficiais.
ao menos quase todas ás vezes ao longo dos dias e dias.
e os olhos não se trocam, os braços se degladiam.
e o contato mais longo é o esbarro alheio, quando sonolento.
sem mais. sem mais nada mesmo.
afinal avulsos como todos os eus comuns dentro de nosso mundo-anonimato.
Vou colocar suas cuecas para secar?
Já lhe dei de tudo.
Roupa limpa foi a gota.
A gota d’água daquilo que merece e me cabe.
De todas as liberdades, faltou-me a do “não”.
Dei lhe amor à pagar em suaves prestações.
As pilhas de jornais pelos cantos da sala,
multiplicaram-se pelos móveis, sofá e banheiro.
Nem o pão ficou sem ler as crônicas do jabor.
Devia saber, você gosta dele, quem seria mais
patético? Eu, afinal eu gostava de você. Bem,
as vezes penso que ainda gosto.
Do cheiro. Do teu cheiro impregnado no travesseiro.
Mas não te quero. Não mais morando aqui.
Por ti deixei os amigos de lado, larguei o cigarro.
Sem falar da cerveja, os bares novos que não conheci.
Em resumo perdi um gato, sim, o Nicolau.
Traído foi-se embora e nem sinal.
Me prometeu filhos com prazo de fabricação à expirar.
Para provocar ouvia gil, caetano, alto lá, mesmo.
Chorou na morte do “nhonho”, no enterro do meu tio-avô não foi.
Por essas e outras já devia ter te dado um pé na bunda.
(interrompida, reflete e responde: Sim, a essa altura já secaram, amor.)
Aonde estávamos mesmo Fulana?
Por isso sempre valerá a máxima.
“Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.”
perdemos a malícia de ir e vir sem pudor.